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quinta-feira, 28 de março de 2013

CALOTES E PRIVILÉGIOS PÚBLICOS


                      Num país civilizado o que não se pode tolerar é a existência de normas jurídicas que se prestem a desigualar, criar privilégios e calotes oficializados entre os seus cidadãos, uns contra os outros, ou entre os indivíduos e o estado. Notadamente que tudo isso vai de encontro a princípios basilares de justiça, de educação, de grandeza de sentimentos e de valores morais de um povo que alcançou um nível de desenvolvimento humano tal que não quer atraí para si nenhuma coisa que não seja honesta e correta.
                    Diante dessa abordagem, constatamos que longe estão desse estágio os países que não primaram pelo desenvolvimento através da educação, como é o caso do Brasil e demais países em desenvolvimento, porque todas essas coisas tem que passar primeiro por um processo educativo que deixe marcas indeléveis na memória das pessoas, na linha direta do sentimento social, no qual ele tem que se sentir inserido, sob pena de continuar à margem do que necessita e quer a sociedade.
                     Senão vejamos, o que acontece especificamente dentro do nosso ordenamento jurídico? Se o cidadão comum é processado pelo estado, tal pode acontecer em qualquer comarca onde ele mora, todavia, se é o indivíduo que tem que buscar os seus direitos isso só pode acontecer em determinadas varas, comarcas e até instâncias especializadas; se a pessoa deve ao estado ele pode vir e bloquear o seu dinheiro ou o seu patrimônio em qualquer lugar e com a maior celeridade, mas se essa mesma pessoa tiver algum crédito a receber do poder público, sejam direitos trabalhistas, venda de qualquer mercadoria, indenização por danos causados, e até pagamento indevido ou a mais de impostos, sua penitência começa aí e vai, na maioria das vezes, até depois da morte, com seus herdeiros, numa via crucis que mete inveja a qualquer “caloteiro”. Isto acontece porque, ultrapassadas as primeiras dificuldades, o cidadão tem que contratar advogado, pagar custas antecipadas e escorchantes do processo – poder público é isento, sem as quais a Lei diz que o Juiz não pode despachar sua petição, e ainda tem que enfrentar a má vontade e a burocracia da Justiça. Depois dessa fase, vêm os prazos do processo, pois, enquanto para o cidadão o prazo é de 15 dias para se defender, a Lei Processual diz em seu art. 188 que o poder público tem quatro vezes mais, ou seja, 60 dias; afora isso, todos os demais prazos para a pessoa comum, para o estado são contados em dobro, numa discriminação odiosa que reflete muito bem a natureza daqueles que se ocuparam de fomentar teorias gerais estativistas de “proteção” ao bem público, no entendimento de que é preciso criar arcabouços jurídicos que protejam o bem comum. Mas essas mesmas pessoas não conseguiram visualizar em suas teorias o bem do cidadão e protegê-lo contra esse “mostro” poderoso em que se transformou o estado como ente jurídico inanimado. Tudo isso não passa de privilégios criados dentro de uma ordem jurídica que tem como escopo maior a Constituição da República, a qual declara em seu art. 5º caput, que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza...”. Então, estamos todos debaixo de uma mentira legal, na medida em que tudo caminha para a desobediência e desordem generalizadas do cumprimento dessa regra.
                     Verdadeiramente que, se um dia o indivíduo conseguir que o seu processo chegue ao seu final, depois de infindáveis recursos dentro de uma máquina judiciária atrofiada pelos milhares e milhares de processos do próprio poder público, aí vem à pergunta inicial: o que se fazer agora para receber o seu crédito, se não se pode bloquear dinheiro e penhorar bem público? Resta tão somente o calote oficializado, e isso é tão grave que se incorporou na natureza da grande maioria dos gestores desta Nação, os quais trouxeram suas deformações morais e de caráter para dentro da administração pública para não deixar cumprir o que seja justo e honesto. Nesse sentir, surgem vozes aqui e acolá que, como nós, demonstram também o seu inconformismo contra toda essa falta de vergonha, como foi o grito do eminente Presidente do Conselho Federal da OAB, Dr. Marcus Vinícius Furtado, elogiando a decisão do Ministro do Supremo Tribunal Federal, LUIZ FUX, ao decidir ação direta de inconstitucionalidade sobre a tão criticada Emenda 62, ao dizer “Não se pode desigualar o cidadão em relação ao poder público a ponto de se criar privilégios injustificáveis do poder público sobre o cidadão”. Tudo isso porque a dita Emenda 62 “exige que para o cidadão receber o que lhe é devido a título de precatório, não tenha nenhuma dívida pendente de tributos com o poder público”, não facultando a ele o princípio da compensação e que esta seja motivada por decisão judicial transitada em julgada, sim, porque a Lei deve ser igual para todos.
                 Esse assunto é por demais vasto e tem causado indignação e desesperança ao povo brasileiro, na medida em que não visualiza sinais de que alguma coisa venha a acontecer a curto e a médio prazo de tal forma que se possa mudar esse estado de coisas, notadamente, por faltar interesse ou formação moral na maioria dos que criam nossas leis. Voltaremos a falar sobre esse tema em outra oportunidade para que o nosso povo fique sabendo claramente e de forma bem simples, o porquê de tudo lhe acontecer de ruim e não há quem o ouça nas suas angústias quando reclama contra o poder público.

Dr. Adilson Miranda, é advogado, vice-presidente da AAB-Associação dos Advogados da Bahia e presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB.

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