Sobre esse mesmo tema já tivemos a
oportunidade de nos deter em outras ocasiões mas vemos que este nunca esteve
tão atual como no momento da vida nacional quando observamos a maioria das
autoridades emitindo decretos e portarias ao seu bel prazer, muitos deles sem
se ater às regras insculpidas no texto Constitucional da República, numa
verdadeira afronta a tudo e a todos, como se vivêssemos em uma “terra de
ninguém”, onde a lei é o que diz a “autoridade”, contando na maioria das vezes com
o silêncio tumular dos cientistas do direito e de muitos do Poder Judiciário.
Aliás, até a cúpula deste resolve comportar-se da mesma maneira, inclusive muitas
vezes legislando e usurpando a competência originária do Poder Legislativo.
Com efeito, nunca se viu tanto
autoritarismo na vida nacional como nos dias atuais, pois eclodiu nessas autoridades
e até mesmo entre muitos do povo o sentimento ancestral do “Eu mandei, eu
posso, eu determinei”, à revelia da Lei votada pelo Congresso Nacional. Daí porque,
nem mesmo nos tempos da chamada “Ditadura Militar”, se viu tanto desrespeito
aos direitos individuais e coletivos dos brasileiros, como os consagrados nos
arts. 5º e 6º da Lei Maior da Nação. Daí porque, como entender o comportamento
dessas autoridades, se seus atos estupram a Ordem Jurídica constituída? Onde
estão aqueles que tem o dever de zelar pelo cumprimento dessas regras? Vamos assistir
a tudo isso passivamente como cordeiros sendo levados ao matadouro? Certamente que
não, pois os brasileiros não têm a tradição de se manter inertes quando percebem
que os abusos chegaram ao limite do intolerável.
Por outro lado, alguém poderia dizer que estamos
em um estado de emergência, todavia, nem assim teria cabimento tamanha
insensatez por parte desses gestores e autoridades, uma vez que isso só caberia
em situação de “estado de sítio”, esgotadas todas as medidas possíveis no estado
de defesa, o que não é o caso. Com efeito, o artigo 137, inciso I, da
Constituição fala em promoção do estado de sítio somente após a “ineficácia de medida tomada durante o
estado de defesa”, que é espécie do mesmo gênero de Direito Excepcional
constitucionalmente regulado, mas de menor
intensidade do que o estado de sítio e, assim mesmo, “determina que o Presidente da República pode, ouvidos o
Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, solicitar ao Congresso
Nacional do Brasil autorização para decretar o estado de sítio em alguns casos
específicos, a saber, “comoção grave de repercussão nacional”. Na situação
atual, o que se contempla são prefeitos e governadores decretando medidas que
são próprias do estado de sítio, quase todas de competência do Governo Federal.
Há decretos que tem mais força do que a Constituição da República e das Leis
Ordinárias, pois prevê invasão de domicílio, prisão de pessoas inocentes,
multas por estar circulando nas ruas, barreiras impedindo as pessoas de
entrarem nas cidades, obrigatoriedade do uso de máscaras e tantos outros. Tudo
ao arrepio da Lei e da Justiça. Assim sendo, cada ditador age como bem entende.
Pergunta-se: quais as providências efetivas que eles têm adotado para equipar
os hospitais e postos de saúde, para atender os médicos, enfermeiros, os demais
profissionais da saúde e a população em geral? Certamente que nada fizeram até
agora, mas o dinheiro está sendo amplamente gasto em propagandas.
Por
fim, até alguns do ministério público, os quais deviam estar atentos para ver a
destinação desses recursos públicos, preferem se imiscuir naquilo que não é de
sua competência, como fazer recomendações administrativas aos prefeitos. Assim a
sociedade não tem a quem recorrer, tendo em vista que já não acredita na
atuação da própria Justiça, cujo acesso, antes deveras difícil, agora tornou-se
quase que impossível. Em um legítimo Estado Democrático de Direito, o que
prevalece é a vontade da lei criada pelo poder legislativo e não a dos gestores
públicos, cada poder deve agir dentro dos limites da sua competência, sem
invadir a competência do outro, na inteligência do princípio da tripartição dos
poderes adotada pela nossa República.Dr. Adilson Miranda é advogado, Presidente da OAB-Subseção de Ibicaraí, e Vice-Presidente da Associação dos Advogados da Bahia.